Feito para a Dissonância: Vallechi Explora a Instabilidade Emocional em “Sometimes”
O segundo single do EP Cherry troca a calor e a leveza por uma viagem mais introspectiva, combinando emoções partidas com uma base de breakbeat.
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Nas horas calmas entre a meia-noite e o amanhecer, “Sometimes” do Vallechi não começa com um impacto forte, mas sim com um sussurro — aquele som do diálogo interno que fica ali no meio entre o pensamento e a sensação. A música não grita para ser ouvida. Aparece devagarinho, como a incerteza que descreve.
Depois da vibe calorosa e da melodia aberta de “Anytime”, o produtor luso-brasileiro e artista multimédia regressa com “Sometimes”, um single mais cru e espaçado que revela uma mudança de tom e de intenção. É o segundo lançamento do EP Cherry, previsto para junho de 2025, com a participação do habitual parceiro Proxy Fae. Lançado pela EDG Records, com edição pela Ultra Publishing, “Sometimes” é uma meditação lenta sobre a fragmentação emocional e a dualidade da mente, construída com texturas ambientais e ritmos inspirados no clube.
Com percussão breakbeat e camadas ambientais filtradas, “Sometimes” cria um ambiente sonoro que não está nem fixo nem perdido — um espaço liminar, moldado por vocais que repetem como mantras e pequenos fragmentos falados. A letra parece um monólogo interior: “Sometimes I feel, sometimes I think, sometimes I wonder what’s really real.” A contenção é o que domina aqui, abraçando a contradição como forma, equilibrando ritmo e ambiente, tensão e clareza.
Vallechi diz que esta faixa é um estudo sobre a “fragmentação interior — como o pensamento, a emoção e o estar presente nunca se alinham totalmente.” Ao contrário da acessibilidade de “Anytime”, “Sometimes” aposta na ambiguidade. O resultado é uma música que se preocupa menos com movimento e mais com reflexão — uma exploração do que acontece quando as estruturas tradicionais desaparecem e a emoção vira paisagem em vez de afirmação.
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O contributo de Proxy Fae acrescenta uma camada extra, desfocando a linha entre fala e melodia. A voz não domina a música, mas anda ali nas bordas, como se fosse um diálogo dentro de nós, e não entre pessoas. Esta dinâmica subtil espelha o interesse de Vallechi pelo realismo emocional — não com grandes gestos, mas com pequenos detalhes partidos.
A influência da música eletrónica do Reino Unido continua lá, mas não é o foco principal. O tempo que Vallechi passou em Londres sente-se na sua produção, especialmente na forma como combina o ritmo de clube com a experimentação. No entanto, “Sometimes” é menos sobre género musical e mais sobre usar o som para explorar o espaço interior. A contenção é um método — não minimalismo — que constrói peso com distorções subtis, em vez de grandes escalas.
A colaboração contínua de Vallechi com as artistas visuais Ines Maestre e Sara Bastai acompanha bem esta ideia. O universo visual de “Sometimes” acompanha a textura sonora: fragmentado, com várias camadas, e emocionalmente desconexo. Embora ainda não haja confirmação de um vídeo oficial, a arte e a direção visual sugerem uma unidade com o projeto Cherry — uma extensão da visão de Vallechi, que quer juntar som, imagem e espaço numa experiência única.
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A sua formação — uma mistura de treino clássico, cenas underground em Londres e direção criativa no mundo da moda — ajuda a criar esta identidade multisensorial. Seja em concertos, instalações audiovisuais ou lançamentos como “Sometimes”, Vallechi encara a música não como produto, mas como plataforma — uma convite para que o ouvinte se ligue à complexidade, e não fuja dela.
Com “Sometimes”, Vallechi não quer respostas fáceis. Prefere abraçar a ambiguidade — focar-se naquelas partes que geralmente passamos ao lado na vida emocional da noite. É uma música feita não para a pista de dança, mas para os momentos vazios entre elas.
À medida que Cherry se aproxima do lançamento, “Sometimes” mostra-nos um artista a evoluir, que prefere explorar as margens em vez de se acomodar no centro. Com contenção, dissonância e espaço sonoro aberto, Vallechi lembra-nos que a clareza emocional às vezes não vem nas respostas, mas nas perguntas que continuamos a fazer.

